As mudanças nas percepções de futuro da franquia O Planeta dos Macacos
- Flávio Raimundo Giarola
- 17 de mar. de 2017
- 5 min de leitura
Um dos melhores filmes para analisarmos as mudanças nas percepções de futuro do mundo ocidental é a franquia O planeta dos macacos. Neste sentido, os dois primeiros filmes, O Planeta dos Macacos (1968) e De volta ao Planeta dos Macacos (1970), e o primeiro da série de remakes iniciada em 2011, Planeta dos Macacos: a origem, nos ajudam a pensar as diferenças entre a forma de ver o futuro durante a Guerra Fria e a maneira que pensamos o porvir nos dias atuais.

Inspirados no livro homônimo do francês Pierre Boulle, de 1963, a adaptação cinematográfica de O Planeta dos Macacos fez várias alterações no enredo que davam conta dos dilemas das armas nucleares. No livro, o casal Jinn e Phillys encontra uma garrafa perdida no espaço, na qual estão os relatos de um astronauta, que acredita ser o último homem do universo. O mesmo conta a descoberta de um planeta muito semelhante à Terra, onde as sociedades eram dominadas por várias espécies de símios, que se comportam exatamente como os seres humanos.
Os filmes, por sua vez, preservam a ideia do astronauta náufrago. A noção de um planeta dominado por macacos também permanece, pelo menos até o final do primeiro filme. Contudo, a última de O Planeta dos Macacos, que se tornou clássica no cinema, muda profundamente a ideia do livro de Boulle. Nela, o astronauta perdido, Taylor, encontra uma parte dos restos da Estátua da Liberdade, que revelam que a viagem espacial havia causado, na verdade, um deslocamento no tempo. Ou seja, o protagonista estava não em outro planeta, mas na própria Terra no futuro.

A frase dita por Taylor, nesta cena, “seus maníacos! Vocês acabaram com tudo!”, já deixava um indicativo dos fatores que teriam levado àquele futuro apocalíptico. Porém, foi no segundo filme da franquia que o mistério ficou completamente revelado. Em De volta ao Planeta dos Macacos, um novo personagem, Brent, havia sido enviado em uma missão para encontrar Taylor e os seus companheiros de viagem. Em sua busca, Brent acaba se deparando com uma sociedade subterrânea, com poderes psíquicos, e que adorava uma bomba atômica. Desta forma, ficava agora explícito que uma catástrofe nuclear tinha sido a responsável pela regressão da humanidade e pela subsequente ascensão dos macacos.
O filme faz uma crítica clara à sacralidade que o arsenal nuclear havia adquirido após a Segunda Guerra Mundial. A bomba atômica adorada em De volta ao Planeta dos Macacos é a mesma reverenciada por Oriente e Ocidente nos anos de Guerra Fria. O historiador inglês Thompson foi um dos que melhor definiu essa submissão quase religiosa ao arsenal nuclear: “Sem dúvida, o sistema de mísseis MX será o maior produto único de qualquer civilização. Será o traiçoeiro templo final do exterminismo. Os foguetes em seus abrigos, como menires gigantes apontados para o céu, desempenharão não uma função militar, mas sim espiritual para o ‘Ocidente livre’. Manterão os espíritos maus à distância e congregarão os adoradores nos ritos fálicos do dinheiro. Dentro da aura desses gigantescos círculos nucleares, os altos sacerdotes da ideologia realizarão sacrifícios rituais em impostos. Em longínquos postos avançados da fé religiosa, em Westminster, Bruxelas e Haia, servidores druídicos se inclinarão para o Ocidente e cantarão runas missílicas encantadas” (THOMPSON, 1985, p. 33).
O Planeta dos Macacos é apenas um exemplo dos vários filmes apocalípticos que começaram a aparecer na década de 1950 e que foram uma constante até a década de 1980. De diferentes formas, o cinema procurava dar conta da ameaça real de uma catástrofe nuclear. Entre os filmes de ficção científica da Guerra Fria encontramos desde supercomputadores que se rebelavam contra as duas grandes potências e usavam seu arsenal destrutivo para ameaçar a humanidade, como em Colossus 1980 (1970), até simulações de situações que se processariam imediatamente após um conflito nuclear, como no chocante filme Herança Nuclear (1983). A premissa se manteve, inclusive, em outros gêneros do cinema, como na clássica obra de terror A noite dos mortos vivos (1968), na qual um acidente radioativo era o responsável pela reanimação dos mortos.
Já os recentes remakes da série inserem-se em um novo contexto. Hoje, com o fim da URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) e o consequente término da Guerra Fria, uma crise nuclear se tornou uma hipótese distante, apesar de não poder ser descartada totalmente. Desta forma, o filme produzido em 2011 procurou dar conta das novas percepções com relação ao futuro. Sendo assim, a crise que levaria ao declínio da humanidade seria iniciada em um laboratório, através da liberação de um vírus, responsável pelo extermínio de boa parte da população mundial. Ao mesmo tempo, a inteligência adquirida pelos macacos não seria mais uma decorrência do processo evolutivo, como sugeria os primeiros filmes, mas também uma alteração genética produzida pelo homem, que daria origem ao primeiro macaco super-inteligente, César.
Estas alterações mostram que, hoje, possuímos um medo muito maior de uma guerra biológica do que de uma guerra nuclear. Este temor ficou mais evidente a partir de 2001, quando os Estados Unidos se viram diante de uma ameaça de proliferação do antraz por meio de ataques terroristas. Por outro lado, as recentes pesquisas genéticas, ao mesmo tempo que geram expectativas positivas, como a cura do câncer, por exemplo, criam também apreensões sobre os seus resultados. Este é o dilema que os roteiristas Amanda Silver e Rick Jaffa tentaram reproduzir na nova série.
Acima citamos A noite dos mortos vivos, de 1968, não por acaso. Os filmes de zumbis seguiram o mesmo caminho de O planeta dos macacos. Se antes a radioatividade geraria mostos-vivos, hoje o vírus é o elemento impulsionador da maioria dos filmes que usam esta premissa. Basta, para isso, pegarmos dois exemplos: Guerra Mundial Z (2013) e a série produzida pela Fox desde 2010, The Walking Dead. Ambas as obras trabalham com a ideia de um elemento biológico que cria zumbis sedentos por carne humana.
Desta forma, a ficção científica nos mostra que as interpretações que fazemos sobre o futuro nada mais são do que reflexos do nosso presente. Durante a Guerra Fria, o presente condicionava os temores de um fim apocalíptico da humanidade gerado pelo choque entre duas potências, que tinham um arsenal nuclear suficiente para destruir a humanidade. Hoje, passadas mais de duas décadas do fim da URSS, nossos temores se voltaram para o surgimento de novas ameaças, que podem já existir dentro dos diversos laboratórios de ciência genética pelo mundo. Como no filme Planeta dos Macacos: a origem, essas ameaças podem nem ter intenções bélicas, porém são mais plausíveis para a destruição da humanidade diante do nosso contexto histórico.
Referências: BOULLE, Pierre. Planeta dos Macacos. São Paulo: Aleph, 2015.
THOMPSON, Edward. Notas sobre o exterminismo, o estágio final da civilização. IN: THOMPSON, Edward (Org.). Exterminismo e Guerra Fria. São Paulo: Brasiliense, 1985
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