Ficção Científica no século XIX e as Utopias Comunistas
- Joyce Santos
- 9 de mar. de 2017
- 4 min de leitura
Como dito no post sobre o surgimento da Ficção Científica, o século XIX foi palco de uma das maiores mudanças tecnológicas e sociais de todas as eras, e isso influenciou diretamente na maneira como o homem via o futuro, criando novas expectativas baseadas nas soluções para os problemas do presente.
Pois bem, quais eram os maiores problemas que grande parte das sociedades estavam vivenciando? Se você imaginou aquela cena típica dos livros de história de uma criança trabalhando numa fabrica 14 horas diárias, você está no caminho certo. A Revolução Industrial trouxe consigo grandes mudanças nas questões trabalhistas. Além dos êxodos rurais e as super aglomerações das cidades, ocasionando a formação de periferias nos quais as pessoas viviam em péssimas condições de higiene e saúde, haviam poucas vagas de trabalho para muitas, mas muitas pessoas que estavam chegando devido a mecanização da mão de obra. Logo, as poucas pessoas que conseguiam trabalho se sujeitavam as exaustivas jornadas de trabalho (que em algumas fabricas eram de quase 18 horas/dia) para ganhar praticamente uma miséria.
Isso fez com que se surgisse uma grande desigualdade social entre o proletariado e a burguesia, levando os filósofos Karl Marx e Friedrich Engels a publicar a obra Manifesto Comunista, que propunha uma nova política de organização social, um processo revolucionário no qual o proletariado deveria se organizar e lutar por um sistema mais justo e livre de opressão. O ideal comunista sugeria uma igualdade de direitos e deveres para todas as classes, o que despertou além do ódio da burguesia, um clamor das classes mais baixas por melhores condições de vida e trabalho.
Influenciados por isso, os autores Edwart Bellamy e Pedro José Sulpico de Morais criaram obras idealizando um futuro totalmente utópico e comunista. Na obra de Bellamy, No ano 2000, um jovem rico que vive uma vida cheia de luxos típica da burguesia capitalista do século XIX, através de um letargo medicamentoso, é despertado 100 anos depois por Dr. Leete, um intelectual do futuro que lhe apresenta um novo mundo totalmente igualitário. Nesse futuro, assim como proposto por Marx, o comunismo era a evolução involuntária que veio como resposta aos problemas da sociedade humana. Os salários iguais, casas iguais e apenas com o necessário para se viver e um grande investimento na educação, tudo controlado pelo estado.
“A solução veio como resultado de um processo de evolução industrial, que não podia ser terminado de outro modo. Tudo o que a sociedade tinha a fazer era reconhecer essa evolução e cooperar com ela logo que suas tendências se tornassem claríssimas.” (BELLAMY, s.d, p. 47). “Segundo as nossas idéias, comprar e vender é essencialmente anti-social em todas as suas tendências. É uma educação de ávido egoísmo á custa dos outros, e nenhuma sociedade, cujos cidadãos seja educados em semelhante escola, se pode levantar acima de um grau baixo de civilização.” (BELLAMY, s.d p. 80).
Já no enredo da obra de Sulpico, temos um jovem casal seduzido por um comerciante chamado Sr. John Progresso a testar um remédio que irá lhes fazer dormir e acordar no futuro, mais precisamente no ano 3000. Em toda a história, o leitor é conduzido (juntamente com o casal protagonista) a conhecer o novo mundo e se chocar com as novas mudanças de uma sociedade mais moderna, onde há renúncia às vestimentas desnecessárias, conceito de industrialização fortemente ativo, com uma divisão correta das etapas de produção e as incríveis e tecnológicas máquinas a vapor, e claro para que tudo isso funcione, uma perfeita organização política.
“A ótima lei da divisão da mão dobra tinha sido aplicada à república. Cada nação formava uma só fábrica. Uma fabricava alfinetes, outra graxa para o calçado, e outra para anzóis. O prodígio do princípio da divisão do trabalho está saltando destes três importantes fatos. Cada povo não pensava, não falava, nem estudava senão com referência ao produto da sua fabricação.” (MORAIS, Pedro José Supico. O Mundo no ano 3000 pg. 16).
É bem visível como o futuro retratado nestas obras evidenciam o presente no qual foram escritas. Uma vez que ambos trazem as questões trabalhistas, a temática comunista e etc. Outro ponto interessante de se observar e o fato de como a tecnologia ainda não era extremamente evoluída a ponto de explicar como as personagens principais chegaram ao futuro, ambos utilizam-se do método de letargo medicamentoso, onde algum medicamento simplesmente fez com que elas dormissem e acordassem no futuro. Nesta época, grande parte dos autores não escreviam "crônicas futurísticas", ou seja, imaginar o futuro como algo cotidiano e com personagens que já faziam parte daquele cenário, eles gostavam de criar histórias onde o homem do presente era transportado até o futuro em questão e se chocava com ele, numa tentativa de transportar o o leitor em si, criando livros mais fantásticos e atraindo um público alvo maior. Isso só passaria a ser feito décadas depois, a partir das décadas 20/30, após a popularização do gênero Pulp. Mas isso também já papo para outro post ;).
Referências
SULPICO, Pedro José. O Mundo no ano 3000.
BELLAMY, Edward. No ano 2000: romance em quadros futuro-retrospectivos. Rio de Janeiro: Record, s.d.
GODOY, Leo Otero. Introdução á uma história da ficção científica. 1ª Edição. São Paulo: Editora Lua Nova LTDA, 1987.
Karl Marx e Friedrich Engels e o Manifesto comunista. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Manifesto_Comunista > Ultimo acesso em 09 de Março de 2017.
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