O Admirável Mundo Novo de Aldous Huxley
- Joyce Santos
- 11 de mar. de 2017
- 7 min de leitura
No mesmo contexto histórico do filme Metrópolis temos o livro Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, uma das obras primas da ficção científica. Em Admirável Mundo Novo o autor expõe todas as suas críticas á respeito dos rumos que a sociedade ocidental estava tomando. Política, religião, tecnologia, e principalmente, as mudanças culturais nas novas formas de pensamento que estavam surgindo, nada foge da visão de Huxley quanto as perspectivas para o amanhã.

"Admirável Mundo Novo é um livro sobre o futuro e, sejam quais forem suas qualidades artísticas ou filosóficas, um livro desse tipo só poderá nos interessar se suas profecias derem a impressão de poderem, concebivelmente, vir a realiza-se. [...] O tema de Admirável Mundo novo não é o avanço da ciência em si; é esse avanço na medida que afeta os seres humanos [...]” (HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo pg. 5 1946).
Nesse futuro distante, após uma série de guerras e revoluções, a sociedade passa por grandes mudanças em seu estilo de vida. Todas as etapas de formação dos seres humanos são inspecionadas pelo governo e sofrem um intenso processo de fertilização que irá definir não apenas a sua classe social, mas também a quantidade de inteligência e níveis de subordinação.

“[...] Mas um ovo bokanovskizado tem a propriedade de germinar, proliferar, dividir-se: de oito a noventa e seis germes, e cada um destes se tornará um embrião perfeitamente formado, e cada embrião um adulto completo. Assim se consegue fazer crescer noventa e seis seres humanos em lugar de um só, como no passado. Progresso.” (HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo pg. 11 1946).
“- Meu bom amigo! - O Diretor virou-se vivamente para ele. - Não vê, pois? Não vê? - Ergueu a mão; tomou uma atitude solene. - O Processo Bokanovsky é um dos principais instrumentos da estabilidade social. Homens e mulheres padronizados, em grupos uniformes. [...]” (HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo pg. 12 1946).
Além disso, os bebês das classes mais baixas eram estimulados através de choques e estímulos traumáticos (como sons estridentes) a criar efeito de ódio instintivo a livros e a elementos da natureza, pois os mesmos não levavam ao lucro e não incentivavam o trabalho em fábricas. Toda forma de lazer é abolida para as classes mais baixa.
“[...] As flores do campo e as paisagens, advertiu, têm um grave-defeito: são gratuitas. O amor à natureza não estimula a atividade de nenhuma fábrica. Decidiu-se que era preciso aboli-lo, pelo menos nas classes baixas; abolir o amor à natureza, mas não a tendência a consumir transporte. Pois era essencial, evidentemente, que continuassem a ir ao campo, mesmo tendo-lhe horror. [...]. - Nós condicionamos as massas a detestarem o campo - disse o Diretor, em conclusão - mas, simultaneamente, as condicionamos a adorarem todos os esportes ao ar livre. Ao mesmo tempo, providenciamos para que todos os esportes ao ar livre exijam o emprego de aparelhos complicados. De modo que elas consomem artigos manufaturados, assim como transporte. Daí esses choques elétricos. - Compreendo - disse o estudante; e quedou-se mudo de admiração.” (HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo pg 22 1946).
O Processo Bokanovsky era um dos vários processos de intervenção social descritos no livro, além dos processos de predestinação social, onde os fetos eram inseridos em substâncias que podiam ou não favorecer seu desenvolvimento lógico e físico, também havia todo um controle após o nascimento da criança, que crescia dentro de centros de condicionamentos onde havia métodos para moldar o psicológico da criança, nos quais as mesmas eram ensinadas sobre conduta ética, moral, e todo o conjunto de regras que regia aquela sociedade, esse processo recebia o nome de hipnopedia.

“Em seguida passaram a uma lição mais avançada. - Rosas e descargas eléctricas, o caqui dos Deltas e um cheiro a assa-fétida, ligados indissoluvelmente antes que a criança saiba falar. Mas o condicionamento que não é acompanhado por palavras é grosseiro e inteiriço. Incapaz de fazer conhecer as distinções mais delicadas, de inculcar as mais complexas formas de conduta. Para isso são necessárias palavras, mas palavras sem nexo. Enfim, a hipnopedia, a maior força moralizadora e socializadora de todos os tempos.”(HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo pg 26 1946).
Outra crítica muito forte na obra é quanto ao uso de medicação. A droga 'Soma' era usado afim de evitar a tristeza, causando um efeito temporário de felicidade. Além de gerar outros efeitos alucinógenos, tranquilizantes ou estimulantes. Essa era uma maneira eficaz que o governo usava para manter a população “feliz” e produtiva. Uma leve ironia criada pelo autor para ressaltar como somos manipulados por vários sistemas (o governo, a industria e o comércio por exemplo) a preencher um vazio existencial com métodos alternativos, uma vez que toda essa modernidade tem um custo caro em nosso estilo de vida. Se queremos algo, é necessário trabalhar horas e horas, negando prazeres individuais e a convivência social, adquirindo estresse e frustração, tudo apenas para acumular um capital que nos irá providenciar um certo item que nos trará "conforto" depois.

Até hoje nossas sociedades lidam com essa problemática. Estamos constantemente nos dedicando a esse ciclo apenas para preencher um vazio existencial. No futuro de Admirável Mundo Novo, até mesmo a as palavras "mãe e pai" são imorais e anti éticas. Não há religião e nem arte. Não há nada que não tenha o propósito de estimular a industria de consumo/produção. Por este motivo, as drogas como o 'Soma' são tão importantes nessa sociedade.
Em um certo momento do livro, há uma discussão na qual o Administrador-Chefe explica ao protagonista a razão do por que a religião não existe mais e é simplesmente indescritível a sensação de proximidade com a realidade que vivemos hoje.

“O Administrador, entretanto, atravessara a sala e dava volta à chave de um grande cofre embutido na parede, entre as estantes de livros. A porta abriu-se. Remexendo na escuridão do interior do cofre, disse: - É um assunto que sempre me interessou muito. - Puxou um grosso volume negro. - Nunca leu isto, por exemplo? O Selvagem pegou o livro. - A Bíblia Sagrada, Contendo o Velho e o Novo Testamento - leu em voz alta no frontispício. [...] - Toda uma coleção de velhos livros pornográficos. Deus no cofre e Ford nas estantes. Indicou, rindo, sua biblioteca, as estantes carregadas de livros, os armários cheios de bobinas para máquinas de leitura e rolos de gravação sonora.
- Mas se os senhores não ignoram Deus, por que não falam nele? – perguntou o Selvagem, indignado. - Por que não permitem a leitura desses livros sobre Deus?
- Pela mesma razão por que não apresentamos Otelo: eles são antigos. Tratam de Deus tal qual era há centenas de anos, não de Deus como é agora.
- Mas Deus não muda.
- Acontece que os homens mudam.
- Que diferença faz?
- Um mundo de diferença - retorquiu Mustafá Mond. [...]
- Como se manifesta ele agora? - perguntou o Selvagem.
- Bem, ele se manifesta como uma ausência; como se absolutamente não existisse. - A culpa é sua. - Diga, antes, que a culpa é da civilização. Deus não é compatível com as máquinas, a medicina científica e a felicidade universal. É preciso escolher. Nossa civilização escolheu as máquinas, a medicina e a felicidade. Eis por que é preciso que eu guarde esses livros no cofre.” (HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo, pg 152 - 1946).
O fato da imoralidade da família neste universo é explicado quando eles admitem que a existência de amor e castidade levaria a instabilidade. Uma vez que os mesmos te levam a agir fora do condicionado que eles criaram. Até mesmo os vícios nas drogas como o 'Soma' são justificáveis perante a ameaça da instabilidade.
"[...] - Mas a castidade significa paixão, a castidade significa neurastenia. E a paixão e a neurastenia significam instabilidade. E a instabilidade é o fim da civilização. Não se pode ter uma civilização duradoura sem uma boa quantidade de vícios amáveis. ”(HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo, pg 152 - 1946).
As transformações sociais nas décadas de 30/40 estavam sendo tão intensas que as perspectivas de Huxley para o futuro nos surpreendem a cada página. Os resultados do avanço do capitalismo e socialismo estavam sendo tão evidentes que na sociedade futura em questão o sistema econômico parecia ser uma junção dos dois, onde ao mesmo tempo que havia um grande incentivo ao consumo, todo o controle da economia estava nas mãos do estado, do grande Ford.
“- Cada homem, cada mulher, cada criança tinha a obrigação de consumir tanto por ano. No interesse da indústria. O único resultado... "Mais vale acabar que consertar. Quanto mais se remenda, menos se aproveita. Quanto mais se remenda...” (HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo, pg 39 - 1946).
Aldous Huxley conseguiu criar uma obra na qual o futuro estava totalmente focado nas transformações sociais ocasionadas pela revolução moderna e o avanço industrial. Ainda conseguindo mesclar críticas tanto á tecnologia, quanto a construção social (religião, governo, homem e etc.), e principalmente a crítica tanto ao sistema capitalista quanto ao sistema socialista, ambos em auge durante a Segunda Guerra mundial, período no qual o livro foi escrito.
"[...] - A ética é a filosofia do subconsumo." (HUXLEY, Aldous. Admirável Mundo Novo, pg 41 - 1946).
Em tempos tão intensos, não apenas Huxley previa um futuro mais conturbado. George Orwell, Isaac Asimov e outros vários autores já estavam incluindo em seus enredos expectativas mais obscuras devido a vários fatores que vinham ocorrendo, como a eclosão da Segunda Guerra Mundial, e o alto investimento nas pesquisas científicas voltadas para produção bélica (como a bomba atômica por exemplo). Tudo isso fez com que a partir da 1945, as obras de Ficção Científica tratassem de temas muito mais pessimistas e distópicos.

Referências
ADMIRÁVEL MUNDO NOVO: DROGAS = SOMA?. Disponível em: <http://omundoentrelinhass.blogspot.com.br/2012/06/admiravel-mundo-novo-drogas-soma.html>. Último acesso em 11 de Março de 2017.
HUXLEY, Aldous. Admirável mundo novo. São Paulo: Globo, 1996.
GODOY, Leo Otero. Introdução á uma história da ficção científica. 1ª Edição. São Paulo: Editora Lua Nova LTDA, 1987.
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